“a diplomata”: escolhas de moda que contribuem com escolhas políticas
- melody erlea
- 4 de nov. de 2024
- 3 min de leitura

eu acho muito interessante a maneira em que as escolhas de estilo em um ambiente corporativo altamente formal são traduzidas na série a diplomata, por meio da protagonista kate wyler, diplomata que é às pressas enviada ao reino unido como embaixadora americana in-loco.

o primeiro desafio de kate é fazer o próprio marido - até pouco embaixador ele mesmo - entender que agora é ela a figura de autoridade, é a ela que os outros funcionários da embaixada respondem, é ela - e não ele - que toma as decisões.
esse embate simbólico serve não apenas pra gente já entender que a dinâmica de poder feminino/masculino é algo que está sempre em jogo, mas também já nos dar uma ideia de que tipo de mulher kate é: pouco delicada, pouco vaidosa, muito focada, muito profissional e um pouco fria. qualquer nuance de humor e emoção é suprimida ao máximo.

e é nesse limbo livre de emoção, humor e personalidade que encontramos o guarda-roupa de kate: monocromático, simples, prático e, infalivelmente, sem graça.
aprecio, por um lado, essas escolhas. elas ajudam a quebrar um tabu de que mulheres precisam estar vestidas de uma certa maneira, assim-e-assado, para serem respeitadas. é, por vezes, um alívio ver ali na minha frente uma mulher numa posição de alto escalão, tomando decisões e sendo obedecida, sem ter que se preocupar com pentear o cabelo ou comprar um tailleur um pouco mais caro e de melhor caimento e qualidade. ela tá dizendo: foda-se as expectativas sobre aparência, eu tenho mais o que fazer com meu tempo. eu tenho coisa mais séria pra pensar. e eu sou foda mesmo sem lookão.
só que tem vezes que fica claro que algumas escolhas (ou falta delas) acabam atrapalhando a percepção que outras pessoas - principalmente as acima de kate - tem dela.
há 3 momentos significativos na série que escancaram a necessidade de elevar um pouco sua imagem: primeiro em uma viagem, em que a assistente põe na mala dela um terno cinza claro, ao invés de preto como ela sempre usa. ela reclama demais desse terno, e eu fiquei meio sem entender - era tão sem graça quanto o preto. aí ela derrama alguma coisa ou bebida na calça, tenta lavar na pia do banheiro, fica com a roupa visivelmente manchada e diz pra assistente que se fosse o terno preto que ela gosta a macha não ia aparecer.

aí a gente entende: não é só querer pular a escolha sartorial - é que ela precisa conter a própria falta de jeito, os trejeitos esbaforidos, a impulsividade... o preto esconde tudo.

o segundo é uma festa na embaixada, um episódio vital para a trama, em que ela usa um longo vermelho - estonteante. é um turning point pra ela: ela firmou uma parceria com o reino unido, pretende se separar do marido, finalmente está segura com sua posição...
é aí que um evento trágico inesperado surpreende a todos e ela volta para seu quarto e tenta tirar o vestido vermelho, em vão, sem conseguir achar o maldito fecho atrás do pescoço, aquele pano vermelho sufocando e os dedos deseperados tateando a nuca tentando achar um botão, um zíper. a mulher presa nos trajes da sua própria vaidade, quase que confirmando: kate wyler só serve pra ternos pretos e simples. ela funciona com o uniforme que a torna invisível, não o vestido vermelho que estraga tudo.
e o terceiro, finalmente, na segunda temporada, quando ela tem uma reunião com a vice-presidente dos estados unidos. o zíper da calca preso com um clips porque tinha estourado pouco antes, o cabelo desgrenhado, o blazer mal ajustado. e, no meio de um episódio seríssimo de uma série de política internacional, a vice-presidente destrincha, tal qual meryl streep em o diabo veste prada, o look mal-ajambrado da embaixadora, e o que ele comunica aos eleitores e ao povo americano: desleixo, preguiça, falta de cuidado, descaso.

a mensagem é clara. ela deve refinar sua imagem, e há dois caminhos - um uniforme imutável, como os homens, ou uma assinatura de estilo, como a grande maioria das mulheres na política: ruth bader ginsburg, hillary, jackie, kamala...
ansiosa pra ver que escolha kate wyler fará e para onde isso a levará.

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