alive and kicking
- melody erlea
- 27 de fev.
- 4 min de leitura
engraçado como coisas acontecem. a vida acontece. o tempo todo, coisas acontecendo - e é engraçado eu estar falando sobre isso agora, quando tento retomar a prática da escrita em blogs e me afastar das redes sociais.
porque é fácil compartilhar coisinhas nos stories e criar uma impressão narrativa. muitas imagens, poucas palavras: a melhor maneira de deixar bastante espaço em branco pro outro completar com as idealizações e histórias que quiser. eu vejo o look, eu vejo, talvez, a foto no bar, no restaurante, na festa; o resto é pra minha imaginação inventar. e a gente sempre completa com o que é cool, com o que é incrível, com o que a gente gostaria de ser.
criar uma narrativa de dia-a-dia prum blog é outra experiência. é, precisamente, a tentativa de completar os espaços em branco. é tentar organizar, com a lógica torta que houver, as conexões invisíveis entre os acontecimentos aleatórios, é tentar fazer sentido das nossas escolhas e, muitas vezes, chegar à conclusão de que não tem sentido não, é tudo um grande emaranhado de coisa após coisa e a gente navegando sem bússola. é por isso que tantas vezes parece que eu volto pro mesmo lugar (embora o lugar não seja nunca o mesmo, nem eu seja totalmente a mesma, mas, também, os mesmos, sempre).
depois de 8 anos fotografando meus looks diariamente, contando com esse registro como meu marcador de tempo, usando as fotos das roupas pra lembrar o que eu fiz, onde eu fui, quem eu vi, quais dias eu estava mais afim de viver, quais dias eu estava apenas sobrevivendo... estou há pouco mais de um mês sem registrar os looks. o impacto já é notável: desvencilhar das amarras das redes sociais é, também desvencilhar da performance constante, das escolhas por como elas vão impactar o ambiente virtual, do público invisível pra quem eu me vesti por tanto tempo. tenho pensado bem menos em roupa, em look, em "ter uma imagem". tenho me deixado fazer escolhas simples no dia-a-dia, sem aquela nóia de explicar para uma audiência misteriosa os porquês das minhas decisões sartorialistas. e tenho sido mais feliz quando quero, mesmo, montar um luquito impactante, pra momentos quaisquer - encontrar um amigo no bar, ir ao teatro, ir ao cinema, ir fazer um curso de auto-tatuagem.
todos esses eventos teriam tido, tão pouco tempo atrás, um peso fashion associado que simplesmente não quero mais. quero lembrar assim: no último mês encontrei um amigo no bar, no teatro, no cinema. no último mês conheci pessoas num curso de auto-tatuagem com uma das minhas tatuadoras preferidas. no último mês mergulhei em shows e passeios, mesmo que breves, mesmo que o alívio de chegar, finalmente, em casa esteja sempre presente. não quero mais que minhas lembranças sejam "no dia que eu usei essa roupa, eu fiz tal coisa". a roupa como extensão natural de quem eu sou e de como eu quero viver, não a roupa como protagonista das minhas experiências.
então tenho tirado foto das roupas, no espelho mesmo, só de vez em quando, só quando eu olho e algo dentro de mim se ilumina - o que não quer dizer que abri mão do meu estilo pessoal. só que eu simplifiquei minha relação com o vestir (mais uma vez, agora de outro jeito, provando mais uma vez que a gente segue a mesma mas segue mudando).
e, para além das roupas, apesar das roupas, a vida segue acontecendo. tenho aceitado as oportunidades que o universo me apresenta, e que tem sido mais ou menos assim:
esse ano começou atípico. estou saindo, vendo gente, tô até usando a agenda do celular pra organizar os rolês. isso é meio absurdo pra mim, que sou uma auto-proclamada ermitã.
em janeiro fui ver a banda tutti-frutti comemorando 50 anos do disco fruto proibido, e, bem in character, esqueci de levar meu disco pra ser autografado. é curioso pensar nas relações de eventos da vida: fui ao show com um amigo que, anos atrás, se voluntariou pra levar meu livro flicts pro ziraldo autografar. acabei não conseguindo entregar o livro pra ele, e pouco depois ziraldo faleceu. sigo sem autógrafo do ziraldo e sem autógrafo da banda tutti frutti, mas o amigo permanece após mais de década - e uma semana depois foi comigo assistir ao musical da rita lee, com a incrível mel lisboa no papel principal. eu fiz basicamente uma imersão rita lee nesse começo de ano.
além disso, nesses dois primeiros meses do ano eu já tomei cerveja em todas as zonas da cidade, visitei pela primeira vez a feira soviética da vila prudente (feira do leste europeu, mas feira soviética soa bem mais cool), saí pra dançar, revi umas pessoas que eu nem imaginava que iam brotar novamente na minha vida, aprendi a me auto-tatuar com hand poke, comecei a cursar pedagogia, fiz um curso de extensão da usp sobre o cinema de john cassavetes, fui a brechós, fiz happy hour com meus amiguinhos do trabalho, celebrei aniversários de melhores amigas e até beijei na boca.
e fiz tudo isso usando luquitos lindos que não fiquei noiada tendo que registrar, postar e mostrar pra galera das redes sociais. porque a vida acontece, maior, melhor e mais louca do que uma tela de celular jamais conseguirá refletir.
Que delícia de reflexão, Mel! Eu há tempos venho pensando muito em tudo o que estar on-line reflete. Tanta coisa acontece na vida para além do que a gente posta, somos mais e diferentes do que pensam que somos através do que dividimos nas redes. Eu tô amando só existir sem necessidade de performar pra chamar atenção das pessoas pra que elas vejam o quanto eu sou legal, até pq acho que elas deveriam é estar vivendo mais as suas vidas do que assistindo a dos outros! Enfim, vamos ajeitando nossa presença no on-line de um jeito que seja menos pesado e mais divertido.
Feliz em ler seu relato, acho que estou em um barco parecido com o seu, mas um de volta para meu interior, um de descobrir o que gosto de fazer para mim e comigo mesma. Espero que esteja bem :)
estou com a maior vontade de começar um blog, algum lugar onde consiga ser minimamente constante, assim como vc disse, postar pra quem quer ver... não consigo abandonar o instagram (ninguém veria minha arte se eu não postasse lá), mas é cansativo, e tem cropping, e ia e tudo mais. vou dar uma olhada nisso <3