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and the sum total sadness in the world is less than it would have been

  • Foto do escritor: melody erlea
    melody erlea
  • 11 de abr.
  • 4 min de leitura

li essa frase ontem num livro do george saunders e não sai da minha cabeça: the sum total sadness in the world is less than it would have been. acho que esse é o estado padrão de existir - a tristeza do mundo sempre levemente balanceada pelas pequenas e indescritíveis coisas que fazem da tristeza um pouco menos triste. talvez ser feliz seja isso, só o privilégio de ser um pouco menos triste.


tenho tentado aquele clichê de ver beleza na rotina. às vezes vejo coisas engraçadas e tristes. um saruê que morreu eletrocutado nos fios e ficou pendurado pelos bracinhos por uma semana na esquina da minha rua. parecia cena de filme tipo madagascar, bichinhos travessos fazendo palhaçadas enquanto vivem aventuras, mas só quase parecia, porque era um bicho de verdade e tava morto. mas a cena curiosa ficou grudada no meu cérebro. hoje dirigindo para o trabalho reparei que um desses mesmos tipos de fios que podem por ventura eletrocutar bichinhos estava forrado por algum tipo de planta trepadeira, ligando um poste ao outro do outro lado da rua, e por um milésimo de segundo me senti passando por um portal de fadas, mas só por um milésimo mesmo porque no milésimo seguinte eu já tava bufando por causa de mais um motorista que não sinaliza com seta nessa cidade de meudeus. the sum total sadness in the world is less than it would have been.


queria ter foto do bicho eletrocutado e também da planta trepadeira não eletrocutada, mas eu passeio pelo bairro com minha cã sem celular, e dirijo, preferivelmente, sem o celular na mão. desde que abdiquei do instagram e de tentar transformar minha vida em uma constante narrativa tenho tirado menos fotos, tenho esfregado menos meus dedos na tela lisa do celular, tenho confiado um pouco mais na memória efêmera dos dias que passam quase todos iguais (mas às vezes com novidades como um bicho eletrocutado e um portal de fadas a caminho do trabalho, e também outras coisas menos compartilháveis assim em público).


hoje abri meu email e tinha um poema. um poema ou uma sequência de palavras que, para alguém, é um poema. the sum total sadness etc etc etc. leio o poema e penso imediatamente em outros poemas. penso em emily dickinson e ana cristina césar, penso num beijo que tivesse um blues, penso em experimentos escarlates, penso que ana cristina gostaria de ler george saunders e emily dickinson gostaria de ler ana cristina e que sorte a minha poder ler todos eles e também o poema que chegou no meu email hoje, ainda que. etc etc less than it would have been. engraçado pensar que sequências de palavras podem ser poesia ou podem ser só sequências de palavras. poetry is in the eye of the beholder, ou algo do tipo.


às vezes tento organizar na minha cabeça os acontecimentos desse ano. uns meses atrás, que parecem dias atrás e também parecem séculos atrás, ouvi num bar alguém dizendo que não se pode abusar da vírgula da vida. desde então me pergunto constantemente se estou abusando da vírgula da vida, e também o que é a vírgula da vida: aqueles momentos cruciais em que a gente decide por um caminho ou outro? as pausas imperceptíveis da vida em que a existência parece quase uma invenção fantástica? de quantas vírgulas eu já abusei, e quantas será que me restam? o próprio bar onde ouvi essa frase foi, de um jeito inexplicável e quase fictício, uma dessas vírgulas, um desses momentos que a gente só percebe depois e de repente pensa: foi um momento, vírgula.


de vírgula em vírgula, às vezes eu consigo experienciar umas coisas mundanas de um jeito novo, como por exemplo hoje:


decidi sair de casa às 18h para ir ao mercado, coisa que eu normalmente não faria nesse horário porque é muito movimento na rua, muita gente chegando e indo; é um horário em que eu prefiro ficar segura no silêncio do meu apartamento. mas hoje saí nesse horário, e, ainda por cima, sem celular sem fone de ouvido sem música me isolando do exterior e me protegendo dos estímulos sonoros da rua e do mercado. saí assim, de ouvidos desnudos pronta pra encarar o mundo do jeitinho que ele é. sei lá, eu tava aventureira hoje.


abri a porta do apê ao mesmo tempo que minha vizinha e fiz a viagem de elevador acompanhada, my own personal hell, mas eu gosto dessa vizinha (ela é aposentada e costumava ser professora, como eu) e ela elogiou minha jaqueta. eu comprei a jaqueta num brechó em buenos aires, e contei isso pra ela, e ela disse "acredita que eu nunca comprei em brechó?" comentei que sempre compro, ela perguntou do brechó chique que abriu aqui no bairro, eu disse que é ótimo, e ela disse que vai dar uma passada e ver o que acha. uma boa interação social pra mim é tipo BIG WIN, e se eu converter uma pessoa que seja ao mundo dos brechós, pohannnn, posso dizer que meu destino na terra foi cumprido.


no caminho pro mercado, na frente da escola aqui da rua, tava uma movimentação dos alunos da tarde indo embora e os da noite chegando, conversas em voz alta, adolescentes de mochila andando nonchalantly pelas ruas, me deu uma vibe boa e nostálgica de leve, essa energia leve da juventude, já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida, na parede da memória etc etc, sabe essa sensação?


no mercado dois meninos com uniforme do miguel de cervantes, a mãe falando em espanhol com eles ensinando a pesar as frutas trescientos gramos de... perdi o fim da frase indo a procura de queijos e castanhas que levei pra casa pra ter um aconchegante girl dinner nessa sexta à noite. and the sum total sadness in the world is less than it would have been.


e nem um pouco relacionado porém tão relevante quanto qualquer outra parte dessa narrativa desconexa toda, outro dia no metrô vi uma tatuagem do woody que eu amei e fico muito feliz de ter fotografado pra poder olhar sempre pra ela. e, mais uma vez, the sum total sadness of them world is less.






2 Comments


raissa rocha
raissa rocha
Apr 23

Esse texto era exatamente o que eu precisava ler hoje.


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Inara Silva
Inara Silva
Apr 14

❤️

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