m e l o d y r e v i s i t e d
- melody erlea
- 5 de nov. de 2024
- 2 min de leitura

“tudo tem que ser do seu jeito”. a percepção de inflexibilidade me bateu menos violentamente do que eu mesma esperava. como tudo na vida, ser flexível depende do ponto de vista.
eu sempre fui a compreensiva. sempre a primeira a entender que minhas vontades não podem, sempre (nunca?), ser prioridade. é tão difícil dar voz ao que eu sinto. articular o que eu quero. clarificar o que me incomoda.
agora eu tenho não apenas repertório, mas vocabulário. alexitimia, neurodivergência, todo um aparato científico que explica minha falta de voz. falar - a habilidade essencial, primordial, da relações humanas, que por tanto tempo me pareceu alheia, alienígena. tantas vezes me vi completamente calada quando eu tinha, indubitavelmente, muito a dizer. estrangeira aqui como em toda parte, porque a linguagem sempre me evita.
(não por escrito - há certo poder na manipulação da palavra escrita que simplesmente não existe na oralidade espontânea. no papel as palavras são organizadas e reorganizadas, há espaço pra ousadia, para esticar os limites dos significados, da gramática, da pontuação; o manejo da linguagem escrita é mais controlado e ao mesmo tempo mais permissivo, artístico; é uma realidade que se estica, se contrai, se reinventa a bel prazer dos meus dedos. existe um vão no caminho entre meu cérebro e minha boca, por onde as palavras se perdem, que não existe entre cérebro e dedos. é assim que pintores se sentem? como se os dedos pudessem falar através de cores e pinceladas e formas algo que simplesmente não se traduz na fala?)
de qualquer jeito, não dava pra explicar: me faltaram as palavras. como é que eu ia dizer que, finalmente, eu podia ser inflexível? que agora eu entendia os porquês do meu mecanismo interno, que agora eu pude falar “não quero. não gosto. não vou”?
delimitar meus limites, recusar o que eu não quero, agir como eu bem entendo. como explicar que, sim, tudo tem que ser do meu jeito, porque por tanto tempo não foi. como explicar esse poder sobre mim mesma, e o colateral desse poder: é o outro que vai se adaptar, aceitar, compreender.
porque eu não vou.
Comments