não tem nada errado com a sua roupa

"os cinco erros que você está cometendo ao se vestir"

"por que seu look não fica igual ao do pinterest"

"pensa que preto combina com tudo? você está errada"

"os cinco truques de estilo das influencers"

"o fim da calça skinny"

"o fim da sapatilha"

"a volta da sapatilha"

"os cinco sapatos odiados pelas fashionistas"

"adidas samba nunca mais"

"all star nunca mais"

"por que seus looks não dão certo"

"pare de usar cores neutras"

"pare de combinar cores desse jeito"

"saiba quais roupas não comprar"

"por que você não sabe se vestir"

etc etc etc ad infinitum

que fique claro: não tem nada de errado com a sua roupa. não tem absolutamente nada de errado com como você se veste, com as roupas que você tem no armário, com o caimento delas ou com como elas combinam entre si. se você quiser parar de ler esse texto agora mesmo, tudo bem. essa é a mensagem, esse é o propósito: não tem nada de errado com a sua roupa. vai viver sua vida tranquila fora da internet.

eu fui, por alguns anos, uma das vozes bradando a importância da imagem pessoal. que tudo bem você não se importar com sua roupa, desde que entenda que o não se importar também está passando uma mensagem - e que os outros enxergam e se importam com essa mensagem.

hoje em dia eu me afasto completamente desse discurso - me dá até um desgosto daquele que é descrito como cringe, sabe? um arrepio de desgosto. e não é porque eu não acredite mais que o vestir é uma forma de expressão - é só que eu não acho que todo mundo precisa se expressar desse jeito.

em tempos de consultoria de estilo e redes sociais marketeiras, o vestir se tornou tedioso, regrado, estúpido. a gente navega pela internet e parece que "ter estilo", seja lá o que isso signifique, é a ferramenta essencial para todo o resto. quando na verdade, é o contrário: todo o resto é que vai influenciar e moldar nosso vestir.

eu não vou nem entrar no mérito das tendências adolescentes de internet (que na vida real de mulheres adultas simplesmente não existem), mas estou cansada, para além das tendências, do discurso virtual do estilo como característica essencial da vida.

eu nunca vi ninguém perder uma vaga de emprego porque não usou as técnicas corretas pra expressar seu profissionalismo através das roupas. assim como ninguém mantém um emprego só porque sabe usar essas técnicas: a gente consegue empregos e mantém empregos sendo bom no que a gente faz.

nessa era tenebrosa do instagram e da consultoria de estilo, quase todo o universo online parece estar nos dizendo que se vestir "bem" ou "com confiança" ou "de você mesma" ou "com elegância" é a coisa mais importante que nós, como mulheres, iremos fazer na vida. e não vou nemmmm resvalar no tópico homens e como nada disso é cobrado deles - isso é meio óbvio e, de qualquer jeito, seria papo pra outro post. vamos esquecer os homens um pouquinho. eu quero falar da carga mental que a gente constantemente usa pra pensar, falar, analisar, elogiar ou falar mal de roupa.

roupa roupa roupa roupa. roupa importa, e muito, num contexto histórico, social e antropológico, pra gente entender as pessoas de uma sociedade, o funcionamento de uma comunidade, as morais que ditam uma certa civilização.

mas roupa não importa tanto, ou não deveria importar tanto, no contexto do nosso dia-a-dia. e eu rejeito cada vez mais toda voz que contribui pra esse ruído tentando nos convencer que a gente precisa dominar certas técnicas - coloração pessoal, proporções, tecidos, modelagens, acessórios, truques de estilo - pra ter uma vida melhor. pra crescer profissionalmente. pra elevar nossa auto-estima.

(não que não dê pra elevar auto-estima com um luquinho precioso, mas não vai necessariamente funcionar pra todo mundo. e auto-estima é muito mais do que roupa e aparência: é estudo, é carreira, é relacionamentos e amizades, é inteligência e reconhecimento, é esporte e academia, é viagem, e nunca precisa ser tudo junto, cada pessoa tem seu próprio conjunto de coisas-que-elevam-auto-estima e o que me incomoda é esse tanto de gente - principalmente mulheres - tentando nos convencer violentamente que roupa ROUPA ROUPA ROUPA importa tanto).

vamo lembrar que cada consultora de estilo tentando te convencer disso tá apenas criando um problema que você não tinha pra poder te vender a solução. como quase tudo no mundo da moda e da beleza: problemas que a gente nem imaginava existir são inventados e vendidos pra gente junto com a solução. o problema vem de graça, mas a solução você só pode acessar através de meios financeiros.

acordar de manhã e se vestir não é fórmula de báskhara. não tem nenhuma fórmula especial que você precisa saber pra poder usar suas roupas. quem gosta de elaborar os looks, que ótimo, pode seguir fazendo, quem não gosta, tá tudo bem também: esquece as vozes persuasivas da internet e olha pra vida real. olha no ônibus e no metrô que você pega pra ir trabalhar. olha no poupa-tempo e nas ruas da sua cidade. olha no seu trabalho. quantas dessas pessoas parecem estar se importando com as roupas dos outros e as técnicas pra se vestir e a mensagem que a roupa comunica? quantas vezes na vida real você participou de um papo desse? quantas pessoas que você vê no offline - pessoas normais, de todos os tipos, com todos os tipos de emprego e de vida e de dia-a-dia, com todos os tipos de corpos e rostos e cabelos - quantas dessas pessoas parecem se importar com isso? quantas se parecem com as pessoas do instagram tentando te convencer que você se veste mal? e quantas se parecem, simplesmente, com você?

veste a roupa que você comprou com o seu dinheiro do jeito que você quiser. não tem nada errado com como você se veste.