o tal do império do efêmero
- melody erlea

- 3 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
tenho pensado muito em klaus nomi e joey arias carregando bowie e seu figurino imobilizante até o microfone. figurino, performance, arte - a arte e a performance estão no figurino, claro, mas estão também no fato de que, vestido desse figurino, bowie precisa ser carregado. vestido desse figurino, bowie não tem controle sobre seus próprios movimentos, bowie é um ser imóvel. vestido desse figurino, bowie só é colocado no foco e no centro do palco graças à força humana que se torna parte essencial e inegável do figurino - os braços e homens que carregam o figurino são, também, em si, o figurino.
o papel da moda como performance teatral se conclui não no vestir a roupa - e muito menos na usabilidade prática de um traje na "vida real" - mas no resto: alguém segurando a cauda de um vestido, homens engravatados arrumando a barra de uma roupa, pessoas carregando uma roupa imobilizante paco adentro ou escada acima. é bom lembrar que não é o objetivo desses looks performáticos representar roupas da vida real - pelo contrário. é a fantasia da moda que a gente vê se desenrolar - e se concluir - na nossa frente.
e o que amo nessa cena da moça sendo levada pela escada é que os truques - que em qualquer outra performance estariam no backstage - estão lá na nossa frente, imediatamente nos lembrando "isso não é vida real. isso é performance".
se fosse uma peça de teatro, a personagem com a roupa imóvel seria carregada por uma escada escondida, e a audiência só veria a personagem no novo local - porque no teatro, a fantasia está na narrativa. já a moda, tão esvaziada de narrativa, tem sua melhor fantasia performada no escopo metalinguístico: não tem backstage. não tem escada escondida atrás do palco pra pessoa ser carregada longe dos olhos do público. a gente ver a pessoa sendo carregada é parte do espetáculo ao mesmo tempo que nos esfrega na cara a verdade - isso é só um espetáculo. não é vida real.
em muitos desses figurinos performáticos e fantasiosos, a arte não está no vestido em si, mas na performance que o vestido demanda: uma dezena de pessoas girando a barra da roupa, a posicionando, cada vez que a pessoa que veste a roupa se mexe. entendem? os homens também são o figurino, eles também são parte dessa performance de moda.
o que bowie fez com intenção e propósito a moda faz inadvertidamente, nos mostrando na cara dura, sem véu acobertando, sem truque de espelhos: a roupa é a performance. o figurino é o pano, e é também o ser humano adjacente ao pano; é também o ser humano que carrega o pano, arruma o pano, corta o pano, destrói o pano; o figurino, a roupa, a moda só existem na efemeridade de um espetáculo que assistimos ser destruído, que só conclui sua performance em sua própria destruição.
a verdadeira arte da moda se dá na roupa que não se movimenta, na roupa que é despedaçada, na roupa cujo único destino é ser vista, não usada, na roupa que não é, nem um pouco, nem de longe, pensada pra vida real. a arte efêmera e metalinguística da moda é a mesma de bowie e a mesma da costura invisível de jum nakao: ela só existe quando estamos observando sua falta de função e sua destruição.







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